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Suponho que a centésima carta mereça comemoração. Afinal, são cem semanas ininterruptas buscando mesclar o resumo dos acontecimentos da semana, com uma visão de longo prazo dos temas que realmente importam na gestão do nosso patrimônio – ao mesmo tempo que busco ponderar pontos de vista distintos, e manter meus próprios vieses sob controle. 

Numerar as cartas não foi algo que fiz desde o princípio. Na verdade, acatei a sugestão de um grande amigo meu, e dos primeiros leitores destas linhas, que argumentou que eu poderia comemorar marcos exatamente como o de hoje. Fui uma bela sacada! Na verdade, muito do estilo e conteúdo destas cartas é justamente moldado pelo feedback que recebo, e pelos quais sou muito grato!

 “Se tivesse mais tempo, teria escrito uma carta mais curta”. 

A frase é atribuída à variados pensadores, desde o matemático francês Blaise Pascal até o escritor americano, e campeão nas citações que uso, Mark Twain. Se sou contido ao falar, o mesmo não pode ser dito da minha prolixidade ao escrever. Portanto, é com enorme esforço que toda semana faço caber as ideias no limite daquilo que considero ser uma leitura rápida. Muitos já me perguntaram quanto trabalho dá escrever esta carta semanal. A resposta sincera é que o grande trabalho, no fundo, é escrever pouco – sintetizar sem perder a essência!

Confesso que esperava um dia mais iluminado para esta #100. Mas, a combinação de uma sexta-feira 13, o retorno das temperaturas árticas, a fina garoa paulistana, o temor com novas variantes do vírus, e os desarranjos no mercado financeiro local, parecem todos jogar contra uma comemoração ao ar livre. Ainda bem que contratei aquela cobertura para chuva!
Reflexividade

O mau desempenho do mercado financeiro brasileiro, afetando praticamente todas as classes de ativos que investimos (bolsa, renda fixa, moedas, …), parece ter instalado um clima de pessimismo e mau humor. Ou seria ao contrário? A tentação por buscar explicações lógicas, e narrativas aconchegantes, parece inescapável. Os jornais estão cheias delas. Seria o culpado o vai-e-vem da reforma tributária, onde as emendas parecem pior que o soneto inicial? A escalada da tensão política? Porque estamos tão descolados, por exemplo, dos EUA? Acordei com um pensamento: estaríamos diante de um caso claro da teoria da reflexividade, cujo expoente mais famoso é George Soros? Esta teoria econômica prega que existe um tipo de “microfonia”, um loop de feedback, em que as percepções de investidores afetariam fundamentos econômicos, que por sua vez mudariam os sentimentos dos investidores. Este processo, ao se retroalimentar, acaba tendendo ao desequilíbrio, forçando preços a ficarem cada vez mais descolados da realidade. Meu ponto? Talvez estejamos no meio de uma tempestade cuja intensidade está sendo exageradamente aumentada pelo comportamento dos participantes, e não necessariamente por fundamentos. Soros, cujo grande feito foi ter ficado bilionário ao apostar contra, e quase ter quebrado, o banco central Inglês em 1992, tem como segunda carreira a de filósofo. Discípulo do influente Karl Popper, esta intrigante ideia pode ser conferida aqui.

Roubo

Esta semana circulou mais uma notícia de roubo de cripto-moedas de uma corretora/custodiante, desta vez a Poly Network. Hackers teriam explorado vulnerabilidades técnicas, e extraído 600 milhões (de usd). Notícias começam a chegar de que o hacker, num ato inesperado de penitência e arrependimento, estaria já devolvendo parte destes valores. Foi provavelmente a maior operação deste tipo, deixando para trás até o icônico caso da Mt. Gox, baseada no Japão, que faliu após ter aproximadamente 450 milhões (de usd) roubados em 2014. Penso que talvez o grande atributo dos cripto-ativos, sua descentralização e independência de um agente regulador, é justamente o calcanhar de Aquiles que estes hackers exploram. O tema bitcoin surge com frequência nas discussões que temos com clientes. Por hora, e sempre respeitando preferências pessoais e pontos de vista divergentes, penso que o Bitcoin precisa ser comparado a outros investimentos sob a rubrica de “alternativos”, avaliando quesitos como facilidade de precificação e quantificação da relação risco x retorno. Investimentos alternativos são um componente importante de como construímos portfolios, mas sempre adequadamente compreendidos e dimensionados.
Retornos Razoáveis, Conclusão

Fecho esta edição comemorativa concluindo a minissérie sobre retornos esperados, iniciada na carta #97. Relembro o objetivo: estamos aqui em busca de qual retorno anual podemos esperar de nossas carteiras de investimento, no longo prazo. Sim, refiro-me ao percentual que colocamos naquele Excel lotado de macros, que serve de base para todo tipo de planejamento de aposentadoria, longevidade e sucessão. Os principais dois pontos até aqui: em primeiro lugar, que a estimativa seja baseada no retorno real, acima da inflação. Não corrigir pela inflação pode fazer com que em apenas uma década o patrimônio pareça ter dobrado, sem que o real poder de compra tenha se alterado (considerando uma inflação de 7%). O segundo ponto é igualmente crítico: usar um valor alto demais, composto ao longo de décadas, pode gerar distorções relevantes no resultado final. Então qual seria este número mágico? A primeira resposta é de que não há um único número. Estamos aqui necessariamente fazendo exercícios com horizontes temporais alargados, às vezes abrangendo múltiplas gerações. O futuro não é conhecível, e muito menos exprimível por um único número. O que sim podemos fazer é explorar vários cenários. A boa prática de administração sugere que façamos a simulação considerando, pelo menos: um cenário otimista, um pessimista, e um intermediário (ou provável). Reconheço aqui, de forma ampla, meu viés conservador: prefiro me apegar ao cenário pessimista, e trabalhar duro para ser positivamente surpreendido no futuro. Em termos práticos: se 6% (retorno real) é uma tradicional meta atuarial do mercado de previdência no Brasil, como falamos na carta passada, então este número poderia ser a base do cenário otimista. O pessimista? Proponho metade disso, ou 3%. O intermediário, por imposição matemática, ficaria em 4,5%. Penso serem bons pontos de partida para este exercício, para o qual, insisto, estamos aqui sempre prontos para ajudar!


Depois de um breve hiato, retorno ao tema musical. Quero recomendar a banda americana Vulfpeck. Fundada em 2011 por músicos formados na universidade de Michigan, esta banda com pegada funk e raízes no jazz, só de verdade entrou no meu radar lá por 2019, quando do seu antológico show no Madison Square Garden – naquele tempo em que seres humanos desmascarados lotavam estádios. O vídeo que recomendo é do sucesso “Dean Town”, gravado na ocasião. Como se o visual inusitado e descolado da banda, o virtuosismo dos integrantes, e a plateia empolgada cantarolando uma linha melódica complexa, não fossem suficientes, há a performance do excepcional baixista Joe Dart. Recomendo fortemente que seja escutado com headphones, já que os auto-falantes de celulares e notebooks não costumam ter boa resposta para frequências mais graves. Já fui perguntado várias vezes sobre minha obsessão pelo baixo, como instrumento. A razão é simples: meu primeiro “emprego” numa banda foi de baixista. O ano era 1985, e Eu um guitarrista iniciante, que sonhava com o estrelato das bandas de rock da época. O destino pregou uma peça: a banda que me aceitou precisava mesmo era de um baixista, posição que ocupei por algum tempo, usando um baixo emprestado – que por sinal está com a devolução atrasada em pelo 35 anos!

Esta carta semanal tem o objetivo de fazer um apanhado breve e bem-humorado das notícias do mercado financeiro, com foco nos temas de gestão de riqueza e planejamento financeiro. O texto não constitui nenhuma oferta de produto financeiro, ou recomendação de investimento. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem o posicionamento oficial da Portofino Multi Family Office. Pedro Saboia é sócio da Portofino Multi-Family Office, investidor profissional, CEA (Certificação de Especialistas em Investimentos ANBIMA) e Consultor de Valores Mobiliários autorizado pela CVM, conforme instrução 592.
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